Pau-Brasil - ago/22: o parque denso e leve
Você sabia que o Brasil é o único país que tem nome de uma árvore? Que brasileiro é um adjetivo para quem extrai pau-brasil? Que a densidade do pau-brasil é 50% maior que a de um eucalipto?
Pois é, além de sua extrema beleza e diversidade nas trilhas e atrativos, o Parque Nacional do Pau-Brasil ainda nos ensina muito do que não vimos na escola. Quando jovens aprendemos sobre a extração do pau-brasil e que o interesse seria na "tinta" que o tronco da árvore soltaria para tingimento.
Mas como é um pau-brasil, quanto vive, a qual porte chega, quanto pesa e por que é tão ameaçado (ainda hoje), não aprendemos com detalhes.
O pau-brasil é uma árvore densa: cada metro cúbico pesa uma tonelada. Ele vive numa floresta chamada ombrófila densa, ou seja, não há uma floresta de pau-brasil, ela é uma das espécies que vivem ali nessa rede colaborativa chamada biodiversidade.
Este parque faz divisa com plantações de eucalipto, que cresce 6-8x mais rápido que o pau-brasil. Por isso acaba sendo uma árvore menos densa e que puxa mais água.
Ao mesmo tempo o pau-brasil é de uma leveza sem igual. As árvores mais jovens têm seus troncos retos e cheios de acúleos, que se parecem a espinhos. Suas folhas são grandes e de um verde intenso e forte, típico de árvores de sombra. É gostoso caminhar entre eles e sentir a força da resistência e de sua leveza, assim como é o parque todo.
A 45 minutos de Porto Seguro está um paraíso pouco visitado: o parque nacional do pau-brasil
É incrível pensar que menos de 1 mil pessoas visita este parque todos os anos. Quando estivemos lá, a maior parte dos registros de visita era de estrangeiros.
Se a estrada até o parque não é empolgante, cercada de plantações de eucaliptos, a perspectiva é boa. A empresa que hoje detém grande parte das plantações se comprometeu a não replantar eucaliptos no próximo ciclo e a reflorestar a área com mata nativa.
O encantamento começa no centro de visitantes
Logo ao chegar ao parque há um centro de visitantes. Coisa rara entre os parques nacionais, mas de extrema importância. É lá que você começa a se conectar com o parque, a querer entrar e ver mais. Os bancos de pau-brasil apreendido de extrações ilegais (recentes, não pense que isso é coisa do ano 1500!) ficam ali e mostram a densidade da madeira.
Ao lado fica uma exposição da fauna que habita este parque, ainda ameaçada por caçadores (ainda hoje, não se engane que a caça, apesar de proibida, não acontece!). E há um experimento a fazer: extrair a coloração do pau-brasil.
Uma taça de vinho com água e um pote de vidro com serragem convidam à experiência. Logo que um punhado de serragem é misturada à água, adiciona-se um pouco de amônia e a água fica de um vermelho escuro impressionante. E quando não havia amônia? Perguntamos! Era usada urina, que tem uma concentração desse elemento.
Há diversos modos de conhecer o parque: recomendamos ir de forma não motorizada
O parque pode ser acessado de carro (da concessionária), de bicicleta ou a pé. Quando estivemos lá a concessionária tinha apenas um veículo e um motorista. Com dois passeios ao dia, somente oito visitantes poderiam entrar no parque de quarta a domingo. Ou seja, na melhor das hipóteses, esse parque poderia receber 2.080 visitantes ao ano.
Muito pouco. Tomamos conhecimento que a concessionária está em dificuldades financeiras, de forma que os investimentos previstos e necessários não foram feitos. Há a opção de ir a pé e de bicicleta. Não há bicicletas para alugar ali, então é necessário trazer de Porto Seguro, Arraial D'Ajuda ou Trancoso, os pontos mais próximos.
Portanto, antes de ir, procure se informar mais sobre como está a situação da concessionária. Isso permitirá que você faça reservas antecipadamente:
Como falamos acima, os atrativos do parque são muito diversos: mirantes, trilhas entre a mata, trilhas entre as bromélias, trilhas entre os paus-brasil, cachoeira e rio. É possível conhecer tudo em um dia só, fazendo o percurso norte de manhã e sul à tarde. Mas recomendamos fazer diferente:
A pé ou de bicicleta a chance de ver animais aumenta muito
Contratar a caminhonete para te levar até a jaqueira logo cedo, fazer todo o percurso norte a pé ou de bicicleta até o final do dia e pedir que te busquem na trilha Ibirapitanga. Fazer o mesmo no dia seguinte, pedindo para ser "resgatado" na trilha Patatiba. Isso permitirá que o percurso entre as trilhas já demarcadas, pelas estradas, seja feito a pé justo onde a mata está mais protegida.
Na parte norte há o Mirante do Pau-Brasil, a Trilha das Antas, a Trilha Vera Cruz, a Trilha das Bromélias e a Trilha Ibirapitanga.
O Mirante do Pau-Brasil fica logo no início da parte mais protegida do parque. Grande parte do que se vê foi explorado no passado pelo corte seletivo de madeira, ali era área de uma madeireira. É impressionante como a mata atlântica é resiliente e se recupera. Para isso é necessário protegê-la, mas também de tempo, um banco de sementes e jardineiros.
A área deste parque nunca chegou a ser completamente desmatada, garantindo que fosse mantido um banco de sementes para serem espalhadas nas áreas desmatadas. Mas quem espalha? São os animais! Cada frutinha comida por uma ave, uma anta, um macaco, é defecada e depositada de volta na mata, dando origem a uma árvore.
Na trilha das Antas vimos isso na prática. Não vimos as Antas, mas vimos as fezes de uma, de onde brotava uma muda. Assim, naturalmente, as antas são grandes jardineiras de florestas. Sem elas, mesmo com o banco de sementes disponível, fica muito mais difícil dispersar as sementes.
A trilha das Antas é plana e tem poucas raízes cruzando, tornando um bom local para observação de aves: você pode caminhar olhando para cima ou para os lados sem ter que se preocupar tanto em tropeçar. A estrutura no final da trilha está bastante comprometida, mas era um mirante para a lagoa vermelha, onde os mamíferos iam beber água e se banhar.
A lagoa infelizmente secou completamente. Não há estudos exatos sobre os motivos, mas sabe-se que ocorreu por volta de 2010, especula-se que o rápido avanço de plantações de eucaliptos entre 2004 e 2006 causou ou ajudou a causar esse fenômeno. Com o reflorestamento, esperamos que essa lagoa se recupere.
A mussununga é propícia para bromélias e orquídeas
Seguindo adiante está a trilha das bromélias. Bem curta, ela vai por um solo diferente e arenoso chamado mussununga. É desse solo que as bromélias e orquídeas mais gostam. É impressionante o tamanho que alcançam, o que nos faz pensar com qual tamanho se fixam nas árvores que depois crescem junto com elas e as suportam por toda vida.
A trilha da Vera Cruz era usada antigamente pela população local para ir até uma vila com o mesmo nome. No final da trilha há uma bela estrutura para fazer um lanche e se banhar no rio. Na nossa opinião é perfeito para acampar ao som da água corrente e ao abrigo do vento e do sol, mas ainda não há essa opção disponível no parque (deixamos a ideia e torcemos que seja acatada).
No final de tudo isso, como se não tivesse sido suficiente, chegamos à trilha Ibirapitanga. O solo muda novamente e deixa de ser arenoso. Ali parece ser a casa dos paus-brasil. Já havíamos visto mudas de pau-brasil antes, e os acúleos sempre nos chamaram a atenção. Ali há centenas de mudas brotando naturalmente, protegidas por algumas cordas para que não sejam pisoteadas.
O que mais nos chamou a atenção foi o porte e o formato do pau-brasil centenário
Não há registro exato da sua idade, mas há dois espécimes centenários com idade estimada entre 300 e 500 anos. O mais incrível: eles não têm acúleos, ou estão cobertos por uma grossa casca que a árvore solta constantemente.
Ou seja, nunca teríamos reconhecido um pau-brasil centenário, sempre teríamos procurado pelos acúleos. Isso nos fez pensar se já vimos alguns em outras trilhas sem saber. Mas provavelmente não: o pau-brasil foi extraído quase que em sua totalidade.
Espécimes adultos e centenários assim são sobreviventes. Provavelmente muitos já pensaram em retirá-los, mas para sorte das árvores o seu peso é tamanho que é difícil levá-los. Os madeireiros ilegais preferem árvores mais jovens e fáceis de transportar.
Ibirapitanga significa tronco vermelho em tupi, o nome original do pau-brasil, chamado de pernambuco pelos franceses e italianos
Na parte sul está o Mirante do Maracanã, a Trilha da Mussununga e a Trilha Patatiba, onde está a cachoeira Jacuba, a única de Porto Seguro.
O Mirante do Maracanã dá de frente para o Mirante do Pau-Brasil. Contam que já pensaram fazer uma tirolesa entre eles, mas nos parece lenda. Este mirante tem uma grande vantagem: é acessível a cadeirantes.
Na trilha da mussununga é possível ver um pouco mais do solo arenoso e diferentes espécies que ali nascem. Mas é na trilha da Patatiba que está o grand finale: a cachoeira jacuba.
Tímida, mal dá para vê-la pela trilha. O rio da Barra, antigo rio do Brasil, é raso e corre sobre areia e folhas caídas. É necessário dar uma volta, descer pelo rio, caminhar uns 50 metros com água na altura do tornozelo/joelhos e chegar até ela.
Ali corre o Rio da Barra, que já foi chamado de Rio do Brasil
Ela está ali até hoje porque há uma laje de pedras no topo. Dali a água cai em temperatura e intensidade ideais para uma ducha, esculpindo um cânion em um misto de terra e raízes. Não lembramos de ter visto algo similar, os cânions geralmente são esculpidos em pedras. Este parece mais frágil e incrivelmente belo. Foi ali que terminou nossa visita a este parque que nos encantou.
Sabe do que não gostamos do parque? Do logotipo!
Parece besteira, mas o logotipo do parque dá a ideia de uma caravela levando pau-brasil embora. Imaginamos que não foi feito de propósito, mas isso mostra o quanto conhecemos e valorizamos esse símbolo do nosso país. Sabemos que alterações não são simples, mas torcemos que numa próxima revisão tenhamos o pau-brasil como riqueza nossa.
No link você pode acessar o mapa por onde passamos e ver em detalhes onde fica cada localidade citada acima: